quarta-feira, 18 de julho de 2018

Disputas internas, Guerra econômica: A Fragmentação do bloco de poder nos EUA.


Disputas internas, Guerra econômica: A Fragmentação do bloco de poder nos EUA.

Por Giovani Damico

* Este artigo pretende ser parte de alguns que tocarão na questão da nova ordem multipolar, em especial na questão da China.


Avançam os conflitos internos nos EUA e a fragmentação dos blocos de Poder. De um lado o Presidente estadunidense Donald Trump inicia uma guerra econômica contra a China e de outro lado avança o conflito interno acerca da "interferência russa nas eleições de 2016", agenda não superada e que segue inspirando conflitos dentro do cenário político interno dos Estados Unidos.

Trump e o presidente russo Vladimir Putin se encontraram pessoalmente em Helsinki (Finlândia) na segunda feira (16/07) e o resultado da coletiva de imprensa se mostrou um como galão de gasolina sendo atirado na já inflamada política interna estadunidense. Trump e Putin fizeram falas amenas e trataram de mitigação das tensões, cooperação em assuntos ligados à questão do oriente médio e mesmo da península Coreana, mas a cereja do bolo voltou a ser a suposta interferência Russa no pleito eleitoral de 2016, que levou Trump à presidência, derrotando a candidata democrata Hillary Clinton.
Pouco após à coletiva de imprensa às mídias russas elogiavam o desfecho do encontro das duas lideranças, porém não demorou para que uma chuva de acusações se insurgisse contra o presidente estadunidense.

A disputa política entre Trump e Hillary Clinton, mais do que uma mera disputa eleitoral corriqueira, representava uma grande disputa interna aos desenvolvimentos do capitalismo estadunidense. A disputa entre um projeto globalista puxado pelos democratas e Hillary, pautado especialmente na lógica do capital financeiro e no fluxo mais aberto de capitais, somado à uma política externa ostensiva que mobilizasse tanto os capitais estadunidenses quanto o seu complexo industrial-militar. Do outro lado se desenhava um novo projeto nacionalista antiglobalista, que apostava tanto nas bandeiras de reindustrialização dos EUA e retorno dos capitais para solo estadunidense, somados à uma política externa menos belicosa, porém não menos hegemonista, uma nova política protecionista, que busque a retomada do monopólio tecnológico e industrial dos Estados Unidos como estratégia de prolongamento de sua primazia imperial.

O resultado das eleições, a subida de Trump ao Governo não puseram fim à disputa de projetos distintos, as disputas seguem deflagradas, e Trump tem tido dificuldades internas de tocar os seus projetos de campanha, hora tendo que ceder em determinadas posições. Ainda assim o projeto protecionista tem começado a tomar corpo, como demonstrado pelo lançamento de uma Guerra econômica contra a China, e em menor medida contra as outras potencias capitalistas, tanto da UE, quanto aliados mais próximos como Canadá. Os resultados destas movimentações seguem sendo muito incertos, mas é quase unanimidade à compreensão de que se avizinham tempos de tensões políticas, econômicas e provavelmente militares.

A coletiva de imprensa dos Presidentes estadunidense e russo nesta semana apenas reforçaram o grau de disputa e fragmentação interno ao qual estão sujeitos os EUA. De um lado está sendo reforçada à todo custo pelos monopólios de mídia estadunidenses (em geral ligados aos democratas e tendencias globalistas) a interferência russa nas eleições, o que visa tanto a deslegitimação de Trump internamente, quanto a elevação da tônica na política externa dos EUA. Percebe-se assim uma articulação midiática com o complexo industrial-militar visando o resgate da linha econômica e geopolítica previamente estabelecida. As declarações conjuntas de Trump e Putin vinham no sentido de diminuição dos conflitos entre as duas nações, busca por cooperação em algumas questões estratégicas, em especial no terreno da geopolítica.

Trump buscava evidentemente uma redução das tensões com a Rússia, as motivações tinham três naturezas mais prováveis: 1) Os EUA estão escalando uma corrida comercial com a China que pode ter dimensões catastróficas, e a Rússia tem se colocado como aliada tática da China, é fundamental evitar elementos que pressionem os dois países para uma aliança ainda maior. 2) O cenário de conflito no oriente médio tem se mostrado cada vez mais acirrado, por um lado os EUA reforçam sua posição em apoio à Israel, por outro sofrem baixas em suas relações diplomáticas com a Túrquia (que vem reforçando laços com a própria Rússia) e mais importante, os EUA reforçam sua posição hostil frente ao Irã, o que eleva ainda mais as tensões no oriente médio. Portanto, a redução das tensões com a Rússia podem significar uma redução nas tensões acerca da Síria, uma situação mais dialogável com a Túrquia e a mitigação da possibilidade (quase eminente) de uma guerra total no oriente médio. 3) Trump enfrenta conflitos internos que ameaçam a estabilidade de seu governo, e a retórica anti-trump tem se baseado fortemente na associação de seu governo com a Rússia, bem como à suposta interferência russa (chamada de Russia meddling¹) nas eleições, o que reforça a necessidade de uma retórica favorável vindo da Rússia, que negue à interferência, e possibilite à retomada dos assuntos domesticos estadunidenses.

Embora para a perspectiva do governo Trump, fosse estratégico um recuo em relação à Rússia, para as outras facções do poder político e econômico dos EUA, essa reaproximação está longe de ser almejada. Na comitiva de imprensa conjunta, Trump e Putin se esforçaram para negar todo e qualquer envolvimento russo nas eleições, Putin colocou seu governo aberto para receber observadores da justiça e inteligência estadunidense, além de ter feito pouco caso das acusações, fingindo menosprezar a seriedade das acusações, como apontado pela Time². Trump fez elogios a Putin, reforçou que não o conhecia antes de ser eleito e ambos reiteraram de forma uníssona a inexistência de uma conspiração conjunta nas eleições estadunidenses³.

A recepção da comitiva de imprensa não poderia ser pior para o governo do republicano, que foi acusado de todos os lados, tanto pelos seus colegas de partido quanto pelos democratas. O Complexo multimidiático estadunidense entrou em frenesi, os noticiários apontavam diuturnamente como o Presidente teria se "rebaixado" na coletiva, em vez de enfrentar seu contraparte russo. O ex diretor da CIA chegou a acusar trump de "traição" e afirmou que este estaria dentro dos bolsos de Putin. Arnold Schwarzenegger e diversos políticos estadunidenses também fizeram séries de acusações à Trump, que retornou desmoralizado para casa. O resultado das investidas contra Trump vieram hoje (quarta 18/07) quando o Presidente estadunidense em nova coletiva de imprensa tentou não apenas reduzir a imagem de "consensos e amistosidade" entre EUA e Rússia, mas partiu para a ofensiva, afirmando que ele considera Putin pessoalmente responsável pelas interferências russas nas eleições estadunidenses. E afirmou ser inaceitável qualquer tipo de interferência desta natureza. Trump buscou suavizar suas palavras apontando que se sob seu governo acontecessem tentativas de interferência, ele também se consideraria pessoalmente responsável. Assim numa virada de 180º, as relações entre os dois países provavelmente voltam à estaca zero, porém no que pese à imagem de Trump internamente, esta foi afetada, o colocando como um presidente eleito por vias questionáveis, e que tem dificuldades de se impor frente à seus adversários externos.


(Comitiva dos Países Presentes na ùltima Cúpula da Organização de Cooperação de Shangai - SCO na sigla oficial-)

Os conflitos internos se mostram suficientemente acirrados, mas não menos preocupante é a situação econômica que se avizinha. A declaração unilateral de diversas sanções econômicas contra a China colocam em risco todo o equilíbrio da economia mundial. Os EUA anunciaram a taxação de importações da China, tendo essas sanções sido aumentadas vertiginosamente ao longo do último mês, já se assomam mais de 200bi de doláres em produtos chineses afetados pelas novas taxações protecionistas. Junto às medidas protecionistas contra a China, vieram taxações em importações da UE e mesmo do Canadá. Assim os EUA iniciam sua jornada para repatriação de grande parte de suas industrias e de seus capitais, visando conter a perda da primazia econômica e tecnológica, em especial para a China. As ações dos EUA levaram à quedas nas bolsas de valores pelo mundo e em especial nos dois países, colocando uma série de incertezas para o mercado. O cenário de da economia mundial que obtinha uma tímida recuperação no pós-crise de 2008, se mostra agora ameaçado. Muito embora a China tenha obtido no primeiro semestre deste ano um crescimento acumulado de 7% em relação ao ano mesmo período do ano passado, se torna cada vez mais difícil prever o desenrolar no próximo período.

A China busca costurar acordos econômicos com diversos países, em especial deslocar o grosso dos seus investimentos para a ásia, mas mirando também em crescentes parcerias com a UE. O mega projeto de desenvolvimento macro-regional chines - A nova Rota da Seda- tem tomado cada vez mais forma, e novos parceiros econômicos de peso tem adentrado no bloco. A China busca rapidamente resolver seus litígios e conflitos com a Índia, que inicia a formalização de sua participação no projeto. Nas últimas semanas enquanto o G7 se reunia sob intensos debates, que levaram à uma maior fragmentação entre as potencias capitalistas, em especial entre EUA e UE. Por sua vez a China se reunia com seus aliados no encontro da SCO (Shangai Cooperation Organization), neste encontro a Índia formalizou sua entrada na organização, aumentando significativamente o grau de alinhamento entre os dois países, que avançam de uma política conflitiva para um crescente estágio de cooperação.

Muitos autores vem discutindo o agrupamento dos BRICS enquanto um novo polo aglutinador de uma força contrahegemônica, entretanto nos últimos anos com as instabilidades políticas e econômicas no Brasil e África do Sul e um realinhamento entre China e Índia, vem se falando frequentemente não mais de BRICS, mas apenas de seu núcleo duro ou seja, RIC. Destes três países estaria se formando uma nova força contrahegemônica, que estaria se organizando paulatinamente para contrapor a hegemonia estadunidense como muito bem discutido no artigo de José Eustáquio Diniz Alves4. Portanto em um cenário de fragmentação da política interna dos EUA, disputas abertas no oriente médio, confrontos políticos com a Rússia, e crescentes confrontos econômicos com a China, se desloca a balança da geopolítica mundial de uma flagrante unipolaridade para uma cada vez maior multipolaridade, que no entanto tem um forte agente aglutinador, a República Popular da China.

A China busca evitar à todo custo um cenário de instabilidade e de conflitos de toda natureza, todos seus esforços diplomáticos vem no sentido de redução das tensões com os EUA. Em visita recente do primeiro ministro chines aos EUA, a China se dispôs a rever a balança comercial, adotando um regime de maior importação de bens estadunidenses, mas a proposta não foi suficiente para barrar a investida de Trump. Neste cenário de incertezas a China se esforça para manter a coesão do projeto de desenvolvimento eurasiático, articulando ainda frentes como a Rota Marítima da Seda (que busca reforçar o comercio com os países da Oceania), frentes com a Liga árabe, com a União Africana e com o Mercosul. A China busca fomentar um consenso internacional anti-protecionista e anti-intervencionista, que possa permitir o alongamento do período de desenvolvimento econômico das economias emergentes, e em especial da sua própria. Por outro lado os EUA -apesar de todos conflitos internos- tensionam para um resgate de sua hegemonia fazendo rufarem os tambores da instabilidade e mesmo da Guerra.

1 RT: https://www.rt.com/usa/433647-trump-putin-responsible-meddling/

2 Time: http://time.com/5340695/putin-trump-press-conference-robert-mueller-russia/

³ Vox: https://www.vox.com/2018/7/16/17576956/transcript-putin-trump-russia-helsinki-press-conference

4 ALVES, José E. D. Fraco BRICS, Forte RIC: O triângulo estratégico que desafio os EUA e o Ocidente. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/579816-fraco-b-ric-s-forte-ric-o-triangulo-estrategico-que-desafia-os-eua-e-o-ocidente




Disputas internas, Guerra econômica: A Fragmentação do bloco de poder nos EUA.

Disputas internas, Guerra econômica: A Fragmentação do bloco de poder nos EUA. Por Giovani Damico * Este artigo pretende ser parte...