domingo, 16 de abril de 2017

A história dos Hinos Soviéticos e as transformações políticas na URSS.

A história dos Hinos Soviéticos e as transformações políticas na URSS.

Por Leninster - Giovani Von Freund





Este texto/ensaio inaugural do Blog pretende tratar dos diferentes Hinos Soviéticos, analisando como essas mudanças se entrelaçaram com as variações no direcionamento político do movimento comunista internacional.

A  União das Repúblicas Socialistas Soviéticas surge a partir da Revolução de Outubro de 1917. Este feito histórico representou um ápice no acumulo de experiencias políticas revolucionárias que vinham sendo travadas no mundo e em especial na Europa e Império Russo.

A Rússia pré-revolucionária era caracterizada como um Império monárquico (Czarista), no qual subsistiam características de modos de produção pré-capitalistas, como o feudalismo, além de "bolsões" de industrialização, que formaram as primeiras aglomerações urbanas, onde o modo de produção capitalista começa a determinar as relações de produção. As tensões políticas e sociais podem portanto ser divididas na Rússia em dois grandes grupos: as disputas políticas no campo, onde predominavam relações de produção feudais, e as disputas políticas nos centros urbanos onde as relações capitalistas já se faziam dominantes.

Os picos de tensão nas lutas de classe levaram ao Assassinato do Czar Alexandre II em 1881, assassínio este realizado pelo grupo radical Narodna Volya (A Vontade do Povo). Com o assassinato do Czar eleva-se a tensão e o recrudescimento do Estado policial no Império Russo, levando a morte e perseguição de diversos grupos revolucionários, dentre eles o irmão de Vladimir Ilitch Lenin, Alexandre Ulyanov. A partir deste momento existe uma reestruturação das lutas revolucionárias, que culminam numa série de greves, revoltas e insurreições armadas tanto no campo quanto na cidade, possibilitando uma primeira "janela" revolucionária em 1905, que continua sendo alimentada até culminar na revolução Bolchevique de 1917, que representou a maior vitória do proletariado mundial até o presente momento.

Os Hinos como reflexo do movimento Comunista


Após a vitória da Revolução Bolchevique de 1917, ascende ao poder o Partido Comunista da União Soviética (PCUS), sob liderança de diversos nomes, dentre os principais: Lenin, Stalin, Trotski e Bukharin. Com esta vitória surge o primeiro Estado Operário do mundo e nasce assim o chamado "Socialismo Real". A criação da URSS marca a ascensão do movimento comunista internacional, e os primeiros anos após sua criação são regados de internacionalismo proletário encabeçado pela URSS e seus dirigentes. Apesar das disputas e divergências internas já presentes, foi eleito como Hino da URSS a canção L'Internationale (A Internacional) criada após a Comuna de Paris, Canção esta amplamente empregada pela internacional comunista. Este primeiro Hino demarcava claramente a vontade dos dirigentes de tornar a revolução russa em uma centelha que levaria à revolução mundial, sendo a URSS parte de um projeto maior para a vitória do socialismo nas diversas nações.


A adesão d'A Internacional marca um período histórico da luta de classes e demarca uma posição clara do grupo dirigente do PCUS, a de expandir o movimento socialista para além das fronteiras da URSS. Este grande objetivo se mostrou na prática muito mais difícil do que o imaginado. A ofensiva contrarrevolucionária na Alemanha, somada à Capitulação do Partido Operário Social Democrata Alemão (conduzida por dirigentes reformistas como Kautsky e Bernstein), infligiram duras perdas ao internacionalismo proletário, na França e Inglaterra a ofensiva contrarrevolucionária adentra na guerra imperialista e reforçam o cerco contra a URSS, que agora era cercada e invadida por diversos inimigos. Este cenário levou a duras constatações que forçaram a uma mudança no direcionamento da URSS, mudança essa que não veio sem grandes divergências, a primeira delas é acentuada após a morte de Lenin, onde o grupo associado a Stalin pretendia a partir de uma visão mais realista conduzir a consolidação do socialismo em um só país, enquanto o grupo associado a Trotsky pretendia a partir de uma perspectiva mais idealista conduzir todas as forças do movimento socialista em prol do internacionalismo proletário, mesmo que isso pudesse custar a perda do poder soviético.
Ambos os lados apresentavam com seus argumentos uma preocupação com o desenvolvimento do socialismo, apesar de divergirem quanto à forma de conduzir este processo. O grupo de Stalin logra exito e assim inicia-se o processo de consolidação do chamado "Socialismo em um só país".

A decisão tomada pelo grupo dirigente embora possa ser questionada, se mostrou extremamente lucida e permitiu à URSS a consolidação do poder em todo o território soviético, além de ter possibilitado à instauração na prática da economia socialista, sendo os esforços pautados na estatização dos meios de produção, coletivização das terras e apoio dentro do possível aos movimentos socialistas internacionais. A URSS se torna assim o grande polo de resistência ao imperialismo, fato que se mostraria inquestionável a partir da segunda guerra mundial, ou Grande Guerra Patriótica, como fora conhecida na União Soviética.

Nasce o primeiro Hino Nacional da URSS de 1944


Saiuz Nierushimiy Riespublik Svabodny.* A União indestrutível das repúblicas livres, este é o título dado ao primeiro Hino nacional da URSS, mas que ficou oficialmente conhecido como Hino da URSS. Nos debrucemos um instante para o título original: União indestrutível das repúblicas livres. Este título ao mesmo tempo reforça o caráter nacional (repúblicas livres) e simultaneamente o caráter internacionalista (União), a   URSS surge como uma união de repúblicas, sendo o número das repúblicas soviéticas aumentado ao longo de sua existência.

Uma leitura crítica nos mostrará que o caminho seguido pela URSS sob liderança de Stalin, buscava um internacionalismo a partir do reforço da questão nacional, para Stalin e grupo dirigente, revoluções nacionais de caráter socialista, levariam o movimento socialista a se expandir a nível internacional. Porém as revoluções perpassariam necessariamente por um caráter Nacional. O Hino de 1944, reforça o relevo às etnias, com alusões ao povo Eslavo e a irmandade dos diferentes povos. O Caráter nacional é enaltecido como fundamental para a consolidação dos Estados Socialistas, pois só a partir destes elementos, da reivindicação da língua, da cultura e dos elementos populares, os povos poderiam triunfar na luta contra as classes dominantes locais e internacionais.
A segunda parte do hino faz alusões diretas a Lenin e Stalin, porém vejamos de que forma aparecem as menções a estes Lideres: 

Através das tempestades o sol da liberdade brilhou e Lenin o grande iluminou nosso caminho.

Stalin nos educou para a dedicação ao povo, e nos inspirou ao trabalho e façanhas.**

Essas passagens colocam ambos os líderes com um papel de dirigentes, no sentido daqueles que canalizam um processo, no sentido daqueles que orientam e guiam, mas nunca no sentido de Personagens que tomam pra si a história, e que fizeram com as próprias mãos a revolução. Lenin é posto como o grande dirigente propagandista que foi, que instruía, dialogava, canalizava a insatisfação das massas, enquanto Stalin é colocado como aquele que a partir do trabalho (caráter operário), da dedicação às questões do povo conduziu às façanhas, sem as tomá-las para si. Não é observado até então qualquer caráter personalista no Hino Soviético, mas sim um caráter de um Hino que reivindica o papel do povo nas transformações sociais, com o auxílio, dedicação e orientação de seus dirigentes.

A terceira e última parte do Hino faz referencias diretas à preparação para a guerra, a consolidação do exército vermelho, suas batalhas pela manutenção do poder soviético contra as potências imperialistas invasoras, reforçando o caráter popular do exército vermelho, um exército que representa o povo e seus interesses de classe, de garantir a manutenção do Estado Operário, reforçando as transformações socialistas.

Quanto ao Refrão ao longo de todo o Hino se repete o mesmo com suaves variações, Existe um reforço da unidade das repúblicas livres, que se unem a partir dos interesses em comum, o interesse de classe, a irmandade dos povos, que lutam contra as classes dominantes, pela instauração do poder operário. Há um reforço claro à Ditadura do Proletariado, frente às ameaças imperialistas, e também às ameaças contrarrevolucionárias das antigas classes dominantes (burgueses e aristocratas do campo).

O Contexto era nitidamente um contexto de Guerra, um contexto onde a manutenção da União Soviética implicava numa guerra declarada às potencias imperialistas, uma guerra declarada da classe operária e camponesa contra as elites dominantes. A bandeira vermelha soviética é colocada como a aspiração a ser atingida por todos os povos, diferentes povos sempre colocados em pés de igualdade.

Ascensão de Kruschiov*** e a chamada Desestalinização


A morte de Stalin representou uma mudança radical nos rumos da União Soviética, independente do juízo de valores que se faça sobre o período onde este esteve como liderança no PCUS. A partir de 1953 abre-se um período de disputa no Comitê Central do PCUS, que termina com a subida ao poder de Nikita Kruschiov. A partir da nova direção no PCUS, existe uma mudança nas políticas externas da URSS, surgem grandes conflitos com outras repúblicas antes vistas como irmãs como a China e Húngria. Kruschiov cria como estratégia para manutenção do seu poder, uma imagem do líder que traria o retorno da URSS para os "caminhos do socialismo", segundo este Stalin teria se afastado dos ideais de Lenin e "traído o socialismo, em prol de uma sede de poder pessoal". Surge assim a categoria "stalinismo" através da qual é feita uma crítica contundente ao período anterior a 1953.


Kruschiov usa como arma para manutenção do poder uma retórica do "retorno à Lenin o Grande", sendo uma das suas principais estratégias a demonização do periodo de Stalin, criando assim uma prática que se mostraria fulminante para o poder socialista: o ataque aos governos anteriores, trazendo mudanças impensadas (ou pensadas com um caráter antipopular) no direcionamento do Estado Soviético, essa estratégia se mostrou presente em todos os líderes que vieram após Kruschiov.

O chamado Retorno a Lenin, pressupunha um apagamento de Stalin e junto a ele todas as vitórias da classe trabalhadora sob sua liderança. Assim muitas das diretrizes do Estado Soviético foram revistas, trazendo diversas perspectivas "liberalizantes" para a URSS, na prática surge assim um lento e progressivo enfraquecimento do caráter socialista da URSS. A retórica do retorno a Lenin e da desestalinização pressupunham acabar com o chamado "Culto à personalidade", este suposto culto teria sido amplamente aplicado por Stalin, na sua sede de poder. Por este motivo o Hino de 1944 foi extinto, e passou-se a adotar apenas a melodia do antigo Hino, agora sem letra. Como vimos anteriormente, o suposto Culto a Personalidade não se mostra verdadeiro tomando como base o Hino da URSS e seu papel de representante do momento histórico vivido. Na prática a história mostrou que o reforço ao personalismo foi cada vez mais acentuado a partir de Kruschiov, seja para fazer as críticas a determinado período histórico, ou seja para ressaltar determinadas vitórias. O Culto a "Lenin o Grande" mostra como existe um claro reforço ao personalismo, porém ao personalismo de um líder imaculado, frente a um líder "Degenerado" representado por Stalin. A própria pessoa de Kruschiov é cada vez mais vista como o representante indubitável de Lenin, ou seja, ele seria a Personalidade, que representava os interesses da nação, de forma completamente personificada, o anti-personalismo se mostra na prática como o reforço ao personalismo.

A ascensão de Briejniev e o Hino de 1977


Como discutido anteriormente apontamos que na tentativa de acabar com um suposto personalismo, a prática real foi o reforço, se não a criação em si do culto à Personalidade. Essa tendencia se mostrou verdadeira na medida em que analisamos o período de Brejniev. Em 1977 surge o novo hino da URSS, neste são apagadas todas às menções a Stalin, enquanto as reverências à Lenin são acentuadas, seguindo a lógica de reforço ao Líder imaculado, e colocando mais uma vez a nova liderança máxima da URSS (agora Brejniev) como o verdadeiro seguidor do caminho iluminado trazido por Lenin.

Iniciemos a análise do Hino de 77 a partir do seu refrão. Os antigos versos onde se fazia menção à bandeira soviética, estandarte dos povos, são substituídos por versos que fazem menção ao Partido de Lenin, Partido de Lenin. Sim o Partido que antes era tido como a expressão máxima dos interesses do povo soviético, agora é tido como o Partido de Lenin, partido de um líder e não de uma nação, líder este representado de forma Personificada por Briejniev. Os versos que se seguem na segunda parte após o refrão, reforçam Lenin como o grande personagem histórico que tomou pra si o futuro do povo soviético, ele, Lenin, levantou os povos para uma causa justa, e nos inspirou ao trabalho e façanhas. A parte final de inspiração ao trabalho e façanhas, antes era associada a Stalin, porém sob a retórica do anti-personalismo, passa-se a associa-la agora a Lenin. Mas não um Lenin qualquer, um Lenin que sozinho levantou os povos para uma causa justa, vemos ai não um Lenin propagandista que canalizava a insatisfação do povo e orientava para a criação da consciência de classe, mas sim um Lenin messiânico, que toma pra si o destino do povo. Novamente a luta pelo fim do "Culto à Personalidade" reforça nada mais nada menos que: o Culto à Personalidade.

Observa-se ainda que o Hino de 1977 pretende apagar todas às menções à Guerra, mas como visto anteriormente, a Guerra não aparecia no Hino de 1944 como uma Guerra Idealista, que por si só reforçava a identidade de um povo poderoso (como na perspectiva burguesa), a Guerra como tratada no Hino de 44 era uma guerra de Classes, era a Guerra pela manutenção do Estado Operário, a Guerra da Classe trabalhadora contra as potencias imperialistas e seus representantes burgueses e aristocratas. O Hino de 1977 desmonta portanto o caráter internacionalista da URSS. A terceira parte da música é substituída por versos que clamam pelos belos e imortais ideais do comunismo, porém estes agora são postos de forma abertamente idealista, como um caminho obvio e inevitável a ser atingido, e não mais como um caminho tortuoso regado de sangue, que necessariamente envolvia a luta de classes, ou nos termos do Hino de 1944, a Guerra de Classes.

O fim do Hino Soviético, o enfraquecimento do caráter de classe da URSS e sua destruição.


A URSS não se findou, por ser este seu destino inevitável, de fato projeções feitas por autores burgueses, previam que nos anos 2000 a URSS ultrapassaria os EUA como maior potência mundial em termos econômicos. A Economia planificada se mostrou na Verdade um Sucesso. Porém como discutido por Domenico Losurdo (em Fuga da História), a URSS perde gradativamente o seu caráter de classe, a derrota ideológica na URSS é gestada tanto por influencia externa, a partir do cerco imperialista à qual esteve submetida ao longo de toda sua existência, mas também gestada internamente, pela luta de classes que nunca cessou dentro do País. Os Governos pós-stalin iniciam uma guerra declarada aos governos anteriores, e assim reforçam a burocratização do Estado, reforçam  mudanças drásticas no direcionamento político do Governo Soviético, seja para uma doutrina mais Pacifista (Kruschiov) ou uma doutrina armamentista (Briejniev), o caráter de classe é lentamente perdido, o poder popular é reduzido, os conselhos populares perdem sua representatividade, frente a Governos que tomam pra si cada vez mais o Poder Político, essa tomada do Poder Político, associada a um enfraquecimento do caráter de classe, abrem uma nova "janela" que possibilita a gestação do poder contrarrevolucionário no seio do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética, que culmina na ascensão de Gorbachiov, líder abertamente reformista que pretendeu aos poucos transformar a URSS em um Estado Capitalista Social Democrata.


O período de Gorbachiov traz contrarreformas radicais que trazem abertura de capitais, e abrem brecha para as potencias imperialistas (em especial EUA) a sabotarem de forma destrutiva o Estado Socialista. Essa desestruturação do Estado Socialista cria espaço para a gestação das novas Oligarquias que viriam a tomar o poder através de uma Contrarrevolução sangrenta liderada por Boris Yeltsin, que dá um Golpe de Estado e dissolve a URSS. A Ascensão de Yeltsin culmina com a extinção do Hino Soviético, que é substituído por um novo Hino chamado de Canção Patriótica, este é nada mais nada menos que um Hino destituído de letra, o que podemos claramente encarar como o esvaziamento total do caráter de classe do Hino máximo que representa o povo soviético, agora destituído de sua Nação a URSS.

Seria um grande erro histórico acreditar que todas essas mudanças e esvaziamento do caráter de classe da URSS se deram sem tensões populares, sem lutas, a Classe trabalhadora soviética participou ativamente de processos de resistência, as ruas de Moscou, Leningrado e diversas outras cidades foram ocupadas diversas vezes, os Soviéts (Conselhos Populares) foram ocupados, houve muita resistência, porém o direcionamento do Estado Soviético seguiu os caminhos da concentração de poder nas instâncias mais burocráticas, do esvaziamento de seu caráter socialista, culminando no triste fim da URSS, e o triste fim do seu Hino Nacional, hoje blasfemado pelo Hino da República Federativa Russa, um hino que usurpou a melodia dos antigos hinos soviéticos, porém destituindo-o de qualquer caráter, popular, classista  e internacionalista. Este Hino é uma mostra da Vitória da Contrarrevolução, que reforça um caráter nacionalista burguês, que tenta colocar a Rússia Grande como uma Nova Nação Imperialista.

Reivindicar o Hino Soviético de 1944, é reivindicar a revolução de 1917, os Estados Operários que surgem a partir dela, é reivindicar o caráter internacionalista da antiga URSS, é reforçar o caminho do socialismo, através das reivindicações dos povos, do reforço das nações sob uma ótica classista. Os símbolos só o são se tiverem significados, destituir os símbolos de significados é o primeiro passo para acabar com eles. Reivindicar o papel histórico da URSS enquanto maior expressão do movimento socialista mundial, implica em necessariamente reivindicar seus símbolos, de forma crítica e analisando profundamente o significado de cada um deles.

* Transliteração fonética.
** Tradução livre feita pelo autor.
*** O Autor opta por escrever os nomes pessoais a partir de sua transliteração fonética.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Disputas internas, Guerra econômica: A Fragmentação do bloco de poder nos EUA.

Disputas internas, Guerra econômica: A Fragmentação do bloco de poder nos EUA. Por Giovani Damico * Este artigo pretende ser parte...