quarta-feira, 18 de julho de 2018

Disputas internas, Guerra econômica: A Fragmentação do bloco de poder nos EUA.


Disputas internas, Guerra econômica: A Fragmentação do bloco de poder nos EUA.

Por Giovani Damico

* Este artigo pretende ser parte de alguns que tocarão na questão da nova ordem multipolar, em especial na questão da China.


Avançam os conflitos internos nos EUA e a fragmentação dos blocos de Poder. De um lado o Presidente estadunidense Donald Trump inicia uma guerra econômica contra a China e de outro lado avança o conflito interno acerca da "interferência russa nas eleições de 2016", agenda não superada e que segue inspirando conflitos dentro do cenário político interno dos Estados Unidos.

Trump e o presidente russo Vladimir Putin se encontraram pessoalmente em Helsinki (Finlândia) na segunda feira (16/07) e o resultado da coletiva de imprensa se mostrou um como galão de gasolina sendo atirado na já inflamada política interna estadunidense. Trump e Putin fizeram falas amenas e trataram de mitigação das tensões, cooperação em assuntos ligados à questão do oriente médio e mesmo da península Coreana, mas a cereja do bolo voltou a ser a suposta interferência Russa no pleito eleitoral de 2016, que levou Trump à presidência, derrotando a candidata democrata Hillary Clinton.
Pouco após à coletiva de imprensa às mídias russas elogiavam o desfecho do encontro das duas lideranças, porém não demorou para que uma chuva de acusações se insurgisse contra o presidente estadunidense.

A disputa política entre Trump e Hillary Clinton, mais do que uma mera disputa eleitoral corriqueira, representava uma grande disputa interna aos desenvolvimentos do capitalismo estadunidense. A disputa entre um projeto globalista puxado pelos democratas e Hillary, pautado especialmente na lógica do capital financeiro e no fluxo mais aberto de capitais, somado à uma política externa ostensiva que mobilizasse tanto os capitais estadunidenses quanto o seu complexo industrial-militar. Do outro lado se desenhava um novo projeto nacionalista antiglobalista, que apostava tanto nas bandeiras de reindustrialização dos EUA e retorno dos capitais para solo estadunidense, somados à uma política externa menos belicosa, porém não menos hegemonista, uma nova política protecionista, que busque a retomada do monopólio tecnológico e industrial dos Estados Unidos como estratégia de prolongamento de sua primazia imperial.

O resultado das eleições, a subida de Trump ao Governo não puseram fim à disputa de projetos distintos, as disputas seguem deflagradas, e Trump tem tido dificuldades internas de tocar os seus projetos de campanha, hora tendo que ceder em determinadas posições. Ainda assim o projeto protecionista tem começado a tomar corpo, como demonstrado pelo lançamento de uma Guerra econômica contra a China, e em menor medida contra as outras potencias capitalistas, tanto da UE, quanto aliados mais próximos como Canadá. Os resultados destas movimentações seguem sendo muito incertos, mas é quase unanimidade à compreensão de que se avizinham tempos de tensões políticas, econômicas e provavelmente militares.

A coletiva de imprensa dos Presidentes estadunidense e russo nesta semana apenas reforçaram o grau de disputa e fragmentação interno ao qual estão sujeitos os EUA. De um lado está sendo reforçada à todo custo pelos monopólios de mídia estadunidenses (em geral ligados aos democratas e tendencias globalistas) a interferência russa nas eleições, o que visa tanto a deslegitimação de Trump internamente, quanto a elevação da tônica na política externa dos EUA. Percebe-se assim uma articulação midiática com o complexo industrial-militar visando o resgate da linha econômica e geopolítica previamente estabelecida. As declarações conjuntas de Trump e Putin vinham no sentido de diminuição dos conflitos entre as duas nações, busca por cooperação em algumas questões estratégicas, em especial no terreno da geopolítica.

Trump buscava evidentemente uma redução das tensões com a Rússia, as motivações tinham três naturezas mais prováveis: 1) Os EUA estão escalando uma corrida comercial com a China que pode ter dimensões catastróficas, e a Rússia tem se colocado como aliada tática da China, é fundamental evitar elementos que pressionem os dois países para uma aliança ainda maior. 2) O cenário de conflito no oriente médio tem se mostrado cada vez mais acirrado, por um lado os EUA reforçam sua posição em apoio à Israel, por outro sofrem baixas em suas relações diplomáticas com a Túrquia (que vem reforçando laços com a própria Rússia) e mais importante, os EUA reforçam sua posição hostil frente ao Irã, o que eleva ainda mais as tensões no oriente médio. Portanto, a redução das tensões com a Rússia podem significar uma redução nas tensões acerca da Síria, uma situação mais dialogável com a Túrquia e a mitigação da possibilidade (quase eminente) de uma guerra total no oriente médio. 3) Trump enfrenta conflitos internos que ameaçam a estabilidade de seu governo, e a retórica anti-trump tem se baseado fortemente na associação de seu governo com a Rússia, bem como à suposta interferência russa (chamada de Russia meddling¹) nas eleições, o que reforça a necessidade de uma retórica favorável vindo da Rússia, que negue à interferência, e possibilite à retomada dos assuntos domesticos estadunidenses.

Embora para a perspectiva do governo Trump, fosse estratégico um recuo em relação à Rússia, para as outras facções do poder político e econômico dos EUA, essa reaproximação está longe de ser almejada. Na comitiva de imprensa conjunta, Trump e Putin se esforçaram para negar todo e qualquer envolvimento russo nas eleições, Putin colocou seu governo aberto para receber observadores da justiça e inteligência estadunidense, além de ter feito pouco caso das acusações, fingindo menosprezar a seriedade das acusações, como apontado pela Time². Trump fez elogios a Putin, reforçou que não o conhecia antes de ser eleito e ambos reiteraram de forma uníssona a inexistência de uma conspiração conjunta nas eleições estadunidenses³.

A recepção da comitiva de imprensa não poderia ser pior para o governo do republicano, que foi acusado de todos os lados, tanto pelos seus colegas de partido quanto pelos democratas. O Complexo multimidiático estadunidense entrou em frenesi, os noticiários apontavam diuturnamente como o Presidente teria se "rebaixado" na coletiva, em vez de enfrentar seu contraparte russo. O ex diretor da CIA chegou a acusar trump de "traição" e afirmou que este estaria dentro dos bolsos de Putin. Arnold Schwarzenegger e diversos políticos estadunidenses também fizeram séries de acusações à Trump, que retornou desmoralizado para casa. O resultado das investidas contra Trump vieram hoje (quarta 18/07) quando o Presidente estadunidense em nova coletiva de imprensa tentou não apenas reduzir a imagem de "consensos e amistosidade" entre EUA e Rússia, mas partiu para a ofensiva, afirmando que ele considera Putin pessoalmente responsável pelas interferências russas nas eleições estadunidenses. E afirmou ser inaceitável qualquer tipo de interferência desta natureza. Trump buscou suavizar suas palavras apontando que se sob seu governo acontecessem tentativas de interferência, ele também se consideraria pessoalmente responsável. Assim numa virada de 180º, as relações entre os dois países provavelmente voltam à estaca zero, porém no que pese à imagem de Trump internamente, esta foi afetada, o colocando como um presidente eleito por vias questionáveis, e que tem dificuldades de se impor frente à seus adversários externos.


(Comitiva dos Países Presentes na ùltima Cúpula da Organização de Cooperação de Shangai - SCO na sigla oficial-)

Os conflitos internos se mostram suficientemente acirrados, mas não menos preocupante é a situação econômica que se avizinha. A declaração unilateral de diversas sanções econômicas contra a China colocam em risco todo o equilíbrio da economia mundial. Os EUA anunciaram a taxação de importações da China, tendo essas sanções sido aumentadas vertiginosamente ao longo do último mês, já se assomam mais de 200bi de doláres em produtos chineses afetados pelas novas taxações protecionistas. Junto às medidas protecionistas contra a China, vieram taxações em importações da UE e mesmo do Canadá. Assim os EUA iniciam sua jornada para repatriação de grande parte de suas industrias e de seus capitais, visando conter a perda da primazia econômica e tecnológica, em especial para a China. As ações dos EUA levaram à quedas nas bolsas de valores pelo mundo e em especial nos dois países, colocando uma série de incertezas para o mercado. O cenário de da economia mundial que obtinha uma tímida recuperação no pós-crise de 2008, se mostra agora ameaçado. Muito embora a China tenha obtido no primeiro semestre deste ano um crescimento acumulado de 7% em relação ao ano mesmo período do ano passado, se torna cada vez mais difícil prever o desenrolar no próximo período.

A China busca costurar acordos econômicos com diversos países, em especial deslocar o grosso dos seus investimentos para a ásia, mas mirando também em crescentes parcerias com a UE. O mega projeto de desenvolvimento macro-regional chines - A nova Rota da Seda- tem tomado cada vez mais forma, e novos parceiros econômicos de peso tem adentrado no bloco. A China busca rapidamente resolver seus litígios e conflitos com a Índia, que inicia a formalização de sua participação no projeto. Nas últimas semanas enquanto o G7 se reunia sob intensos debates, que levaram à uma maior fragmentação entre as potencias capitalistas, em especial entre EUA e UE. Por sua vez a China se reunia com seus aliados no encontro da SCO (Shangai Cooperation Organization), neste encontro a Índia formalizou sua entrada na organização, aumentando significativamente o grau de alinhamento entre os dois países, que avançam de uma política conflitiva para um crescente estágio de cooperação.

Muitos autores vem discutindo o agrupamento dos BRICS enquanto um novo polo aglutinador de uma força contrahegemônica, entretanto nos últimos anos com as instabilidades políticas e econômicas no Brasil e África do Sul e um realinhamento entre China e Índia, vem se falando frequentemente não mais de BRICS, mas apenas de seu núcleo duro ou seja, RIC. Destes três países estaria se formando uma nova força contrahegemônica, que estaria se organizando paulatinamente para contrapor a hegemonia estadunidense como muito bem discutido no artigo de José Eustáquio Diniz Alves4. Portanto em um cenário de fragmentação da política interna dos EUA, disputas abertas no oriente médio, confrontos políticos com a Rússia, e crescentes confrontos econômicos com a China, se desloca a balança da geopolítica mundial de uma flagrante unipolaridade para uma cada vez maior multipolaridade, que no entanto tem um forte agente aglutinador, a República Popular da China.

A China busca evitar à todo custo um cenário de instabilidade e de conflitos de toda natureza, todos seus esforços diplomáticos vem no sentido de redução das tensões com os EUA. Em visita recente do primeiro ministro chines aos EUA, a China se dispôs a rever a balança comercial, adotando um regime de maior importação de bens estadunidenses, mas a proposta não foi suficiente para barrar a investida de Trump. Neste cenário de incertezas a China se esforça para manter a coesão do projeto de desenvolvimento eurasiático, articulando ainda frentes como a Rota Marítima da Seda (que busca reforçar o comercio com os países da Oceania), frentes com a Liga árabe, com a União Africana e com o Mercosul. A China busca fomentar um consenso internacional anti-protecionista e anti-intervencionista, que possa permitir o alongamento do período de desenvolvimento econômico das economias emergentes, e em especial da sua própria. Por outro lado os EUA -apesar de todos conflitos internos- tensionam para um resgate de sua hegemonia fazendo rufarem os tambores da instabilidade e mesmo da Guerra.

1 RT: https://www.rt.com/usa/433647-trump-putin-responsible-meddling/

2 Time: http://time.com/5340695/putin-trump-press-conference-robert-mueller-russia/

³ Vox: https://www.vox.com/2018/7/16/17576956/transcript-putin-trump-russia-helsinki-press-conference

4 ALVES, José E. D. Fraco BRICS, Forte RIC: O triângulo estratégico que desafio os EUA e o Ocidente. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/579816-fraco-b-ric-s-forte-ric-o-triangulo-estrategico-que-desafia-os-eua-e-o-ocidente




quarta-feira, 13 de junho de 2018

Como a Coréia do Norte colocou o Imperialismo na defensiva?





Como a Coreia do Norte colocou o Imperialismo na defensiva?


Por Giovani Damico

Foto: RT


Como a Coreia do Norte colocou o Imperialismo na defensiva?
Por Giovani Damico



Nesta terça feira (12/06/18) o mundo assistiu à um episódio histórico sem precedentes: Um encontro entre o líder da Coreia Popular - Kim Jong Un- e a liderança estadunidense - Donald Trump-, o feito marca um novo período na história mundial, pela primeira vez desde a Revolução Cubana e a Vietnãmita os Estados Unidos não sofrem uma derrota (ou eminente derrota) política de tamanho impacto na correlação de forças internacional.

Todas as grandes mídias do mundo reportaram hoje sem exceção o episódico encontro ocorrido em Singapura. Cerca de um ano atrás de forma diametralmente oposta os grandes aparatos midiáticos alardeavam desesperadamente sobre a "ameaça norte-coreana" e a eminente guerra nuclear a ser desencadeada pelo "ditador ensandecido da Coreia do Norte". Tal retórica se fundamentava na premissa de que o programa nuclear desenvolvido pela República Popular Democrática da Coreia (RPDC) tinha como objetivo fundamental uma provocação de guerra, ou de fato um esforço de guerra nuclear a ser desencadeada contra Coreia do Sul, Japão e mesmo os EUA. Como discutido previamente neste blog ¹ tal programa nuclear tinha e continua a ter um caráter radicalmente distinto daquele proclamado pelos monopólios de mídia pró-imperial. O programa nuclear da RPDC detinha um objetivo defensivo, subordinado à uma estratégia de longo prazo de deslocamento da balança de forças na disputa pela soberania nacional, visando em última instância além da manutenção da revolução coreana, um avanço estratégico nos rumos da reunificação das coreias, bem como a liberação da península coreana da ameaça militar eminente dos EUA.

O Imperialismo em modo de defesa

Muito se tem a interpretar a respeito dos possíveis desdobramentos do encontro entre Kim e Trump, entretanto é evidente que os EUA pela primeira vez em décadas se viram obrigados à abandonar tanto em termos de retórica oficial quanto em termos de mudanças práticas em sua geopolítica e ação militar. Trump imediatamente após o término de sua reunião com Kim anunciou que os jogos de guerra (war games) estadunidenses na península coreana estão suspensos, além de acrescentar que esta é uma prática provocativa que coloca a segurança da península e do mundo em risco. ² Um presidente americano assumir publicamente que a política externa agressiva dos EUA põe o mundo em risco, e tem um caráter provocativo é um fato que demonstra a posição de cautela, preocupação e recuo em sua política externa.

A mudança na retórica oficial e na geopolítica estadunidense para com a Coreia do Norte se estabelece após um vertiginoso desenvolvimento do programa nuclear da RPDC orientado pela política Songun³, que nos últimos meses obteve diversos êxitos como a construção de bombas de hidrogênio (H-bomb) e o principal, o desenvolvimento integral dos misseis ICBM (Intercontinental Balistic Missil), que em termos práticos significaram que a RPDC não apenas possuia bombas nucleares de destruição massiva, como a capacidade para içá-las até as principais cidades dos EUA.

A política Songun orienta uma priorização em assuntos militares como forma de garantir a independencia da RPDC, e fazer avançar o socialismo coreano em meio a uma política cada vez mais agressiva do imperialismo, em especial pós colapso da URSS (IL, Kim Jong. 2016). Assim a política Songun se associa com os outros princípios da doutrina Juche como a da priorização da independencia, conquistada a partir da Guerra Popular Prolongada.  Portanto o recuo do Imperialismo aparece como fruto direto do sucesso da política norte-coreana de alavancar sua soberania nacional a partir de uma forte doutrina de segurança nacional e forte independência política.

Os resultados do encontro entre os líderes da RPDC e EUA ainda são todavia incertos, é sabido que sempre há possibilidade de reviravoltas e novas investidas da política imperialista. Os acertos preliminares obtidos na histórica reunião apontam para a desnuclearização da península coreana, o que implica num comprometimento da RPDC em abrir mão de suas armas nucleares, bem como suas instalações militares onde o desenvolvimento de tais armamentos foi realizado. A história mostra que a política imperialista é tão mais hostil, quanto menor for o poder de resistência das nações postas sob sua ofensiva, assim o acordo de desnuclearização vem em simultâneo a diversas garantias de segurança à integridade da Coreia do Norte, bem como saída do exército estadunidense da península Coreana.

Embora a presidência americana tente demonstrar que o seu comprometimento com a desnuclearização da península coreana foi um êxito em sua política externa, a desnuclearização significa na prática um abandono por parte dos EUA, de sua política hostil à Coreia Popular, bem como à desmilitarização da Coreia do Sul, que desde o inicio da guerra das Coreias, vive sob ocupação do exército estadunidense. Trump e os outros porta-vozes dos EUA buscam através das palavras suavizar os impactos do acordo, e acenam para a "paz mundial" como uma vitória para todos os lados. Em palavras oficiais Trump anuncia que de imediato estão congelados todos exercícios militares com a Coreia do Sul, e aponta de forma suavizada que a saída das Tropas americanas estacionadas na Coreia do Sul ainda não são um fato imediato, mas aponta que "em breve gostaria de ver suas tropas finalmente em casa". Assim num misto de "vitória da paz", redução de gastos militares e vontades de trazer os militares americanos para casa, aparece a retórica oficial estadunidense, adimitindo seu recuo em modo de defesa.

A ação de um lado da Coréia Popular, China, Rússia do outro dos EUA, Coréia do Sul e Japão.

O tabuleiro das relações internacionais, da geopolítica mundial e das disputas entre hegemonia e contra-hegemonia contam sempre com atuação de diversos atores, sendo alguns capturados pela hegemonia do imperialismo, outros forjados pela contra-hegemonia. Assim aparecem as históricas alianças entre RPDC e República Popular da China de um lado e entre Coreia do Sul, EUA e Japão do outro. O bloco contra-hegemônico se estabelece como fruto de uma política antiimperialista advinda da guerra popular prolongada, que apesar de suas grandes contradições internas e externas, continuam a fomentar uma contra-hegemonia que faz frente ao imperialismo estadunidense.

A China, aliada histórica da RPDC, no último ano se viu coagida por todos os lados à adentrar no regime de sanções contra a Coreia do Norte, assim como fez a Rússia, embora ambas nações tenham se mantido duramente críticas às Sanções e defendido uma política de não-interferência na península coreana. O programa nuclear coreano se tornou o principal argumento dos EUA para patrocinarem uma violenta guerra econômica contra a RPDC, que vinha acompanhada de vertiginosos exercícios militares nas proximidades da Coreia Popular, como formas de pressionar a nação a abandonar seu programa nuclear e ceder às vontades do imperialismo. A China embora principal parceiro econômico, político e militar da RPDC, adentrou parcialmente em algumas das sanções, também sob ameaça de guerra econômica em caso de insubordinação.

As sanções à RPDC forçaram uma situação dramática à economia do país que teve suas principais exportações embargadas, além de ter grande parte das importações de commodities reduzida. O que colocou sua economia em difícil situação. A China embora adentrando parcialmente nas sanções e tendo suas relações econômicas bem como taxas de importações e exportações com a Coreia Popular reduzidas, foi acusada sistematicamente de estar violando às sanções e continuar suas trocas econômicas com a RPDC 4. O Próprio Donald Trump acusou a China de violar as sanções em postagens no Twitter que foram criticadas pela China por falta de evidências.

A Relação da RPDC com a Rússia seguiu uma queda semelhante à da China, que manteve uma posição crítica ao imperialismo estadunidense, e manteve seus monopólios de mídia (Como RT, Canal 1 e Sputnik) sistematicamente relatando as interferências e provocações dos EUA nos assuntos coreanos, embora não tenha adentrado em nenhuma espécie de defesa intransigente da Coreia do Norte. A Rússia em sua política externa de relativa independência frente aos EUA, por vezes se coloca em favor de nações atacadas pelo imperialismo, o que por vezes tem efeitos antiimperialistas, muito embora tenha esta nação pretensões imperialistas em médio-longo prazo (discutimos melhor estas fortes contradições em outro artigo deste blog 5.

Assim segue o complicado tabuleiro da geopolítica na península coreana, de um lado a Coreia Popular com aliados de caráter estratégico (China) e táticos (Rússia) de outro os EUA e seus aliados, em caráter de forte subordinação política e ideológica (Coreia do Sul e Japão). Os novos desdobramentos da geopolítica da Coreia do Norte colocaram uma situação completamente nova, e fizeram a RPDC sair de um Estado de Sítio, com pressões econômicas e militares de todos os lados, para um estado de barganha e ganhos políticos (alguns em potencial) sem precedentes. A própria relação de subordinação da Coréia do Sul (que em termos práticos era uma semi-colônia estadunidense) aos EUA foi colocada em cheque. Assim além do recuo estadunidense, observamos a histórica reaproximação das Coreias, que contou com encontros entre o líder norte-coreano - Kim Jong Un-e o presidente Sul Coreano -Moon Jae-in- 6. Além da participação da Coreia do Norte nos jogos de inverno ocorridos na Coreia do Sul no início deste ano.


Reaproximação das Coreias





Kim encontra o presidente sul-coreano Moon Jae-in 
(https://www.huffpostbrasil.com/2018/04/28/conciliacao-entre-coreias-as-imagens-do-encontro-historico-entre-kim-jong-un-e-moon-jae-in_a_23422635/)

A Autodefesa e salvaguarda nacional aparecem como princípios fundantes da doutrina Juche (IL, Kim Jong, 2016) sendo parte desta doutrina a compreensão de que a Coreia é uma única nação, e a reunificação esteve sempre presente como parte da ideia de nação coreana. A reunificação da Coreia é portanto parte da linha estratégica do socialismo coreano, a reaproximação aparece como mais um elemento da reviravolta histórica alcançada pelo povo coreano.

A RPDC sai de uma posição de isolamento mundial, na qual acusada sistematicamente de ser um Estado Terrorista, uma ameaça à paz mundial e em especial ameaça à suas vizinhas Coreia do Sul e Japão, após a efetivação de um rápido desenvolvimento nuclear, associado com uma política de redução do militarismo em favor de seus objetivos estratégicos, consegue em poucos meses aparecer como ator não mais de desestabilização e ameaça, mas sim como ator da paz, reunificação e amizade dos povos. Mesmo o Japão nos últimos meses reduziu sua tônica agressiva e deixaram de figurar em suas mídias as diárias acusações contra a vizinha Coreia Popular.

Mídias da Coreia do Sul, bem como movimentos sociais, em uma guinada expressiva, passaram a ver com bons olhos a reaproximação, e surgem os primeiros esboços de planos econômicos e políticos para efetivar a reaproximação, como o anuncio do projeto de construir um trem-bala ligando à Coreia do Sul ao resto do continente asiático 7. Os encontros entre as lideranças coreanas trouxeram para a mesa séries de medidas de reaproximação. Além dos históricos encontros entre lideres coreanos Kim se fez presente duas vezes na China para alinhar sua estratégia com os aliados da China 8.

As bilaterais entre os líderes da Coreia Popular e China apontaram para um reforço da amizade de ambas nações, intensificação da cooperação entre nações socialistas, bem como reforço nos entendimentos das linhas políticas de cada lado. A Coreia segue portanto reforçando sua política de reunificação em consonância com a política Chinesa de integridade nacional e cooperação estratégica com países vizinhos, em especial a RPDC. A China tem dado apoio substancial à defesa da soberania nacional norte-coreana, bem como defendido a retirada ou ao menos relaxamento das sansões econômicas como forma de reduzir as tensões entre Coreia Popular e EUA. A reaproximação entre as coreias consiste também em interesse estratégico da China uma vez que a presença de tropas estadunidenses na península, além da instalação de equipamentos militares avançados como o sistema antiaéreo THAAD vem sendo duramente criticadodas pela China, que respondeu com ameaças militares e elevação da tônica contra as investidas bélicas dos EUA.

Futuro incerto porém encorajador

A luta dos povos contra o imperialismo vem sendo historicamente apontada pelo movimento comunista internacional, como elemento central de qualquer perspectiva de superação da ordem capitalista. Lenin formulou de forma fundamental em "Imperialismo: estágio superior do Capitalismo" como o imperialismo se apresenta enquanto fase avançada do desenvolvimento capitalista, que embora tenha passado por transformações nos seus padrões de reprodução, segue mantendo as características fundamentais verificadas por Lenin: consolidação dos monopólios capitalistas e sua expansão em nível mundial, financeirização do capital e aumento da exploração e acumulação no centro do capitalismo, dominação política e econômica das economias periféricas com consolidação de zonas de influência cada vez mais subordinadas ao capital imperialista 9.

O avanço da Coreia significa um recuo do imperialismo, e portanto consiste em uma grande vitória -ainda que parcial- da classe trabalhadora mundial. A paz duradoura na península coreana bem como em outras regiões do mundo como o oriente médio, e em particular a Palestina e a Síria, segue sendo inexoravelmente conectada à um progressivo avanço das forças antiimperialistas embasado num profundo movimento de autocrítica e resgate na esquerda mundial,  como nos alerta Losurdo (2016) 10. De modo que a luta dos trabalhadores organizados segue sendo a real alternativa para combater o imperialismo, e o neocolonialismo que o acompanha em seu atual estágio de desenvolvimento.

O prognóstico para a população coreana é animador, mostra que a linha política conduzida pela Coreia Popular vem se mostrando acertada, sobrevivendo as mais diversas e perversas adversidades. A Coreia Popular avança numa dimensão fundamental à luta política: a dimensão ideológica. As décadas que seguiram o colapso da URSS, foram regadas da mais irrestrita propaganda anticomunista, e propagações de teses sobre a morte do marxismo. A vitória Coreana aparece portanto como importante vitória ideológica, segue reforçando como a luta pelo socialismo, associada à luta pela soberania nacional, o internacionalismo e o antiimperialismo são as ferramentas fundamentais para a criação de um novo mundo e superação da ordem do capital. A Coréia do Norte aponta para reforço de ligações com outras nações agredidas como a Síria, e sinaliza uma visita histórica de Assad - Presidente da Síria- á Pyongyang 11.

O documento conjunto assinado por Kim Jong Un e Donald Trump e divulgado pela casa branca 12,  aponta para a retomada das relações diplomáticas entre os países, o comprometimento na instauração da paz duradoura na península Coreana, garantias por parte dos EUA para a segurança nacional norte-coreana, além do aprofundamento das medidas de restauração da paz, associadas à desnuclearização da península coreana. Embora o documento não aponte para uma retirada imediata das tropas estadunidenses da península e das sanções econômmicas, as declarações conjuntas e individuais apontam para este futuro. A China se pronunciou formalmente em apoio ao acordo, e sugeriu a retirada imediata das sanções impostas pelo conselho de segurança da ONU à RPDC como apontado por suas mídias oficiais 13, reforça ainda seu comprometimento com a paz duradoura na península.

O panorama embora positivo carrega sempre seus riscos. O programa Shogun e a doutrina nuclear da RPDC gestaram uma forte ferramenta de barganha, levarage, para a Coreia Popular, e abrir mão de seu programa embora parte de sua estratégia de longo alcance, carrega sempre uma margem de riscos. Estes riscos entretanto não podem ser confundidos com uma rendição ou capitulação por parte da RPDC como algumas análises apressadas e irresponsáveis vem apontando, mas muito pelo contrário, são elementos que foram postos na balança da estratégia coreana, que segue avançando em seus feitos. A própria desnuclearização da RPDC não significa uma total vulnerabilidade do país, uma vez que este ainda possui um exército regular altamente capacitado tanto em pessoal quanto armamentos regulares. Ademais a China segue reiteradas vezes apontando que se a RPDC for vítima de um ataque prévio de forças externas (preemptive strike), sem ter realizado ataques contra qualquer ameaça externa, esta será considerada agressão à própria China, que não hesitará em sair em defesa de sua vizinha.



Referências

¹ Leninster: http://leninster.blogspot.com/2017/09/por-que-coreia-popular-ameaca-o-japao-e.html

² Russia Today: https://www.rt.com/news/429467-us-skorea-halt-drills/

³ IL, Kim Jong. Sobre a ideia Juche. Edições Nova Cultura. 2016


4 South China Morning Post http://www.scmp.com/news/china/diplomacy-defence/article/2127530/china-north-korean-firms-still-trading-despite-shutdown

5 Leninster: http://leninster.blogspot.com/2017/05/a-nova-geopolitica-da-russia.html

6 Russia Today: https://www.rt.com/newsline/428417-korea-high-level-talks/

7 Business Insider: https://www.businessinsider.com.au/north-korea-south-korea-plan-railway-peace-declaration-2018-5

8 Xinhua http://www.xinhuanet.com/english/2018-05/08/c_137164420.htm

9  Lenin, Vladimir Ilitch. Imperialismo, Estágio Superior do Capitalismo. Expressão Popular, 2012

10 LOSURDO, Domenico. A Esquerda Ausente: Crise, Sociedade do Espetáculo e Guerra. Anitta Garibaldi. 2016


11 China  Global Television Network: 
https://news.cgtn.com/news/3d3d774d7a63444f77457a6333566d54/share_p.html

12 White House: https://www.whitehouse.gov/briefings-statements/joint-statement-president-donald-j-trump-united-states-america-chairman-kim-jong-un-democratic-peoples-republic-korea-singapore-summit/

13 China Daily: http://usa.chinadaily.com.cn/a/201806/13/WS5b2028bda31001b825720003.html

quinta-feira, 8 de março de 2018

A Desnuclearização da Coreia Popular (Coreia do Norte)


A Desnuclearização da Coreia Popular


Por Giovani Leninster





O programa nuclear da República Popular Democrática da Coreia (Coreia do Norte*) vem sendo alvo de noticias e análises de diversas correntes e origens, em especial com a elevação qualitativa de seu arsenal, o que levou a series de provocações e sanções impostas unilateralmente pelos EUA e aliados, como Coreia do Sul e Japão. Entretanto no último mês as noticias tem sofrido uma reviravolta e agora a questão da desnuclearização se coloca sobre a mesa.

Neste artigo pretenderemos ser sucintos, sem adentrar nos aspectos históricos que fundamentam o desenvolvimento da doutrina nuclear da RPDC, temática que já foi alvo de discussão no último artigo deste portal.  Assim nosso enfoque se dará nos desdobramentos geopolíticos recentes, bem como nos objetivos a serem atingidos pela RPDC com suas declarações recentes postuladas pelo líder coreano Kim Jong Un, que apontam para o interesse na desnuclearização da península coreana, abrindo uma oportunidade rara para a reaproximação entre as Coreias.

Os olhos do mundo se voltaram novamente para as Coreias, no mês passado devido aos jogos olímpicos de inverno, onde a Coreia do Norte foi convidada pela Coreia do Sul a enviar uma delegação de competidores, que participaram juntos da competição, sob a bandeira da Unificação das Coreias. Fato que emocionou uns e despertou a ira de outros, colocando o imperialismo em alerta. Afinal unificação das Coreias é e continuará sendo a última coisa que o imperialismo estadunidense pretende para a península. 

Na data de ontem 07/03/2018 primeiramente as mídias sul coreanas e na sequencia a grande mídia mundial, passaram a relatar que em encontro entre o Chefe da Segurança Nacional sul coreana Chung Eui-yong com o líder norte coreano Kim Jong Un, este último teria colocado na mesa de discussões a desnuclearização da Coreia do Norte. Algo impensável no período recente, após uma crise de acirramento nas tensões entre as Coreias, com forte interferência dos EUA. Kim Jong Un, apontou que Pyongyang está disposta não apenas a congelar seus testes nucleares, como a colocar em discussão os termos para suspensão total e desnuclearização da Coreia do Norte, a partir de um cenário onde o regime norte coreano e sua população não estejam mais sob ameaça.

As declarações de Kim Jong Un divulgadas pelas mídias sul coreanas puxaram atenções de todos os holofotes, assim críticas de todos os lados passam a surgir, do lado do imperialismo a retórica belicista e agressiva demonstra grande dificuldade e desinteresse em adentrar neste novo estágio de negociações, do lado da "esquerda" inclusive da esquerda revolucionária, surge uma atmosfera de confusão, desconfiança e até mesmo declarações de "traição" já são lançadas à Coreia Popular. O que nos leva a nossa grande pergunta: quais os objetivos da Coreia Popular com esta iniciativa, e como estes se associam aos objetivos geopolíticos históricos do programa nuclear da RPDC?

Como apontado acima a reunificação da Coreia é o último dos interesses do imperialismo, entretanto notadamente este é um interesse primordial para a Coreia Popular. Compreendendo o processo histórico de separação das Coreias, sabemos que o processo revolucionário que se inicia no Norte, é barrado no sul com a forte intervenção dos EUA, levando à guerra das Coreias, e a posterior ocupação do Sul pelas tropas estadunidenses, dando origem à fragmentação da Coreia em dois Estados. Assim, para a Coreia  no Norte, a unificação sempre foi um objetivo interrompido pela agenda do imperialismo. Entretanto, a agenda da reunificação, só pode avançar a partir de uma reproximação política entre as Coreias, que só pode ser possível a partir do momento em que a Coreia Popular fure o embargo político-ideológico imposto pelo imperialismo.



A partir de uma perspectiva norte coreana, o programa nuclear sempre foi instrumento de defesa do Estado Revolucionário, e além disso, instrumento de barganha geopolítica, para alcançar melhores condições de negociação com o imperialismo. Entender como traição o movimento geopolítico da Coreia Popular, é desconhecer profundamente os objetivos do programa nuclear. Que nunca foi voltado para o ataque ou confronto, mas sim para criar condições geopolíticas de defesa da integridade nacional, associada a uma melhor instância para avançar na disputa pela reunificação.

As olimpiadas de inverno trouxeram uma oportunidade única para a RPDC, mostrar ao mundo que está não apenas disposta mas plenamente interessada na reunificação e no cessar de tensões, é a oportunidade de tentar furar o embargo ideológico imposto pelos aparatos midiáticos e ideológicos do imperialismo, buscando criar na comunidade internacional um clamor pela reunificação e desnuclearização. Assim a retórica da Coreia do Norte agressiva e violenta se torna difícil de ser vendida, uma vez que o país publicamente põe na mesa de discussões a desnuclearização. 

Notadamente a desnuclearização seria uma etapa posterior ao resfriamento das tensões, posterior à retirada das tropas estadunidenses do solo sul coreano e do fim dos exercícios militares puxados pela tríade Coreia do Sul-EUA-Japão. A desnuclearização aparece não como capitulação e desistência da via revolucionária, mas sim como nova etapa da via revolucionária, que parte para a "ofensiva" sob bases ideológicas, buscando seu grande objetivo de reunificação.

Por fim, aliados da Coreia Popular como a China, observam com grande entusiasmo as mudanças, e apoiam veementemente o plano de desnuclearização da península. A própria Rússia a partir de suas mídias estatais emite posicionamentos favoráveis ao novo caminho proposto pela RPDC. A China que enxerga na Coreia Popular um aliado estratégico, tem a ganhar com a redução das tensões e com a possibilidade de reunificação, em termos geopolíticos a redução ou cessão das tensões militares, significa o fim de um cenário de guerra fria em sua fronteira, além de uma etapa importante para o avanço estratégico da via revolucionária coreana.


* Como apontado em outro artigo do blog (referencias abaixo), não somos favoráveis a denominação "Coreia do Norte", entretanto para fins didáticos colocamos o nome, devido a seu uso corrente.

Fontes:

http://leninster.blogspot.com.br/2017/09/por-que-coreia-popular-ameaca-o-japao-e.html
http://www.xinhuanet.com/english/2018-03/06/c_137020276.htm
https://edition.cnn.com/2018/03/06/asia/north-korea-summit-intl/index.html
https://globalnews.ca/news/4003677/will-north-korea-attack-the-olympics-probably-not/

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Por que a Coreia Popular "ameaça" o Japão e o "mundo"?



Por que a Coreia Popular “ameaça” o Japão e o “mundo”?

 Artigo escrito por Giovani Leninster






A República Popular Democrática da Coreia (RPDC) é também conhecida como Coreia Popular ou segundo a ideologia ocidental pro-imperialista como Coreia do Norte. Neste artigo buscaremos a chave pra uma incógnita que tem abalado corações por todo o globo, a “ameaça vermelha” advinda da “Coreia do Norte”. Ontem em conferência com o Embaixador Plenipotenciário da Coreia Popular Kim Chol Hak, foi levantado o questionamento: Por que a “Coreia do Norte” ameaça o Japão e Coreia do Sul se estes são estados pacíficos, sendo o Japão um Estado sem exércitos desde 1945? Exatamente a este questionamento traremos nossas respostas.

Comecemos por uma breve incursão no histórico da formação social Coreana no século XX. A Coreia em princípio do século passado era marcada como um estado com predomínio de relações feudais de produção, tendo essa estrutura societária estamental (hierárquica) sido adequada à um processo de colonização tardio promovido pela Inglaterra e Japão. A Coreia torna-se então um Estado semi-colonial de modo análogo ao acontecido na China, de modo que a maior parte de sua população fora submetida à exploração interna e externa, tendo suas condições de sobrevivência duramente dificultadas.

Os processos revolucionários no século XX que tiveram início no leste europeu dando origem à URSS, incentivam fortemente o avanço dos processos revolucionários na Ásia, tendo a China triunfado em sua revolução após quase trinta anos de luta armada contra as frações do capital interno, e os exércitos e agentes do capital imperialista (em especial Inglês, Japonês e Americano). A Coreia  seguiu um rumo parecido e no ano de 1950 com o avanço do processo revolucionário coreano, foi declarada guerra à coreia pelos agentes do imperialismo americano.

A Guerra que durou de 1950 a 1953 ficou internacionalmente conhecida como Guerra “das Coreias” porém um olhar historiográfico e geopolítico atento nos revelará que o processo de Guerra não se deu entre diferentes Coreias, mas sim entre a revolução Coreana liderada por Kim il Sung contra os exércitos imperialistas do Japão Fascista e posteriormente Estados Unidos. (Manoel, 2017). Portanto a ideia de uma guerra entre “as Coreias” é totalmente forjada pela ideologia pro-imperial, a Coreia revolucionária teve parte de seu território ocupado (especialmente o sul) e a região norte onde a revolução estava melhor estruturada foi sistematicamente bombardeada e teve a maior parte de suas cidades e infraestruturas destruídas. O real cenário portanto foi o sul sendo ocupado e o norte prosseguindo firme apesar da agressão imperialista.

A ocupação militar dos EUA na parte sul da península coreana perdura até hoje, as instalações militares da “Coreia do Sul” são operacionalizadas por tropas americanas, todos sistemas de defesa e ataque são meticulosamente desenvolvidos e controlados por tropas americanas (sob a escusa de serem da OTAN). O sistema político “democrático” instaurado no Sul, garantiu uma suposta democracia, onde o poder político e econômico é dominado pelos Estados Unidos, tendo formado uma colônia de alto grau tecnológico e colossais índices de exploração da classe trabalhadora,  Sendo um dos países com maiores índices de suicídio em decorrência do excesso de trabalho, bem como o país com maiores índices de exploração sexual na terceira idade (Segundo a BBC - insuspeita de simpatia à RPDC, assim como as demais fontes jornalisticas que utilizaremos). Ambas exploração sexual e exploração do trabalho fruto de uma verdadeira ditadura do capital, que destrói direitos trabalhistas e aposentadoria.

Apesar da invasão do Sul e da sangrenta guerra para garantir a independência da Coreia no Norte a revolução coreana prossegue firme sob a doutrina Juche, e inicia a construção do socialismo na via Coreana, com um grande enfoque no poder popular, na independência de suas forças produtivas, independência energética e política, porém seguindo firme no espírito internacionalista. Segundo informações do embaixador Kim Chol Hak, a independência energética, deu início às pesquisas nucleares na Coreia Popular, tendo essas sido duramente criticadas e dificultadas desde seu início por pressão dos EUA via ONU. Na década de 1990 a Coreia buscava iniciar suas primeiras plantas de energia termonuclear, porém após pressão da ONU, decide aceitar um acordo de uma construção de uma hidrelétrica de grande porte, por parte dos EUA via ONU com capitais internacionais. Essa construção deveria ocorrer em dois anos e nunca tomou corpo, tendo levado a Coreia Popular a retomar suas plantas termonucleares.

A necessidade energética foi somada a pressão política, econômica e militar que cercam a RPDC desde a década de 50, sendo assim iniciado um programa de enriquecimento de urânio com fins armamentistas, e propósitos de defesa da soberania nacional, assim surgia a doutrina nuclear da RPDC.

A Doutrina Nuclear da RPDC

Nos monopólios de mídia ocidentais não passa um dia sem que sejam propagandeadas notícias histéricas a respeito da ameaça nuclear “norte coreana”, se nos recordarmos da pergunta inicial que tomamos como linha direcional, perceberemos a falsa noção de que a RPDC é uma clara ameaça à paz mundial, em especial aos seus “pacíficos” vizinhos Coreia do Sul e Japão. Busquemos agora entender como se deu a doutrina nuclear da RPDC e qual o papel do Japão, Coreia do Sul e demais agentes imperiais neste processo.
Como previamente exposto a Doutrina Nuclear da RPDC tem início nos anos 90 e se inicia com a construção de bombas atômicas convencionais, projeto que caminha de forma concomitante com os projetos de desenvolvimento de tecnologia aeroespacial, visando tanto a construção de satélites quanto foguetes e lançadores. A necessidade de construção da bomba atômica é colocada desde o início como um elemento garantidor da soberania nacional da RPDC, ameaçada a todo instante por forças externas.

A Guerra na Coreia, e não da Coreia termina em 1953, porém a ameaça imperialista nunca saiu da fronteira da RPDC e nunca cessaram as hostilidades, tentativas de assassinato das lideranças da RPDC, bem como embargos econômicos criminosos e hostilidades de diversas naturezas. O Imperialismo nunca se deu por vencido, tendo impedido até os dias atuais a reunificação da Coreia, além buscar há décadas sufocar o regime popular da RPDC. Os estados Japonês e Sulcoreano têm papel fundamental na ofensiva imperialista contra a soberania da RPDC. Japão e Coreia do Sul, não apenas funcionam como bases militares dos EUA, mas também como centros de pesquisas militares, além de centros de poder econômico e político e ideológico que atuam a todo momento para desestabilizar a RPDC.  Sendo assim construído um cerco militar, econômico e ideológico, aos quais nos deteremos um pouco mais.

A pressão militar à RPDC se dá portanto via instalações de bases, sistemas de “defesa” e tecnologias bélicas de diversos tipos estacionados na região especial no Japão e Coreia do Sul, além da ilha de Guam situada ao sul da península Coreana, que foi ocupada pelos EUA e se tornou uma base militar. As ofensivas militares contam com constantes exercícios militares: com rápidas pesquisas é possível encontrar diversas fontes que mostram os diversos exercícios militares entre EUA-Japão-Coreia-do-Sul. Segundo a Daily Mail do Reino Unido, neste ano foram realizados uma série de exercícios militares entre Japão e EUA que duraram 18 dias seguidos. Além de diversos outros exercícios. Somada a estas pressões militares está a instalação do sistema de “antimísseis” Terminal High Altitude Area Defense (THAAD). Especialistas militares de diversos países apontam esta como uma das principais ameaças à paz no sudeste asiático, ameaçando não apenas a RPDC mas também a Rússia e China. A instalação do THAAD provocou protestos duramente reprimidos na Coreia do Sul (segundo Sputnik) além de duros protestos dos Governos Chinês e Russo (Segundo Reuters). A instalação do THAAD somada aos frequentes exercícios militares e diversos equipamentos militares estacionados nas fronteiras da RPDC são constantes ameaças à sua soberania, sendo assim a Doutrina militar a resposta encontrada para resistir a qualquer possível agressão.

O desenvolvimento atômico da Coreia Popular atingiu dois pontos de extrema importância neste ano, o desenvolvimento de seu primeiro míssil balístico inter continental (ICBM) e de sua primeira bomba de hidrogênio (segundo informações do The Guardian). Com estes novos desenvolvimentos o potencial de defesa da Coreia obteve tanto tecnologia de lançamento para içar misseis até o continente americano (podendo atingir a porção continental dos EUA) bem como um potencial destrutivo de maior magnitude com a bomba de fusão nuclear (H-Bomb). Este rápido desenvolvimento vem em enorme contradição com as frequentes notícias em nossos monopólios de mídias ocidentais, que bradam sobre o atraso tecnológico da Coreia sob a “ditadura socialista dos Kim”. Mais informações sobre os avanços tecnológicos estão dispostas em artigo divulgado pelo PCB. Além de portais de mídias Koreanas e observadores internacionais.

O desenvolvimento nuclear da RPDC segue portanto uma linha de desenvolvimento de seu potencial de ataque para um alcance que inclua todos seus inimigos (não potenciais, mas sim reais, como EUA, Japão e Coreia do Sul). Porém está mais que claro há décadas, que o principio que guia a RPDC é o de soberania, autossuficiência e sobrevivência. Qualquer ataque por parte da RPDC por maior que fosse seu potencial destrutivo, seria retaliado com uma invasão e destruição (Fogo e Fúria como pontuou Donald Trump em discurso recente) que destruiria integralmente a Coreia, sendo óbvio que não há um principio suicida generalizado na RPDC, o potencial atômico subsiste como “Deterrence” ou seja, potencial de detenção de ameaças externas, a partir de força militar capaz de infligir danos incomensuráveis nos inimigos imperiais. Vide as teorias do MAD (Mutual Assured Destruction) do período da Guerra Fria entre EUA e URSS. A Coreia pretende portanto, unicamente garantir seu direito de existência, utilizando seu direito de possuir armamentos para se defender e guardar suas fronteiras.

Sobre as pressões econômicas estas tem alcançados patamares ainda mais criminosos que os embargos impostos a Cuba, os EUA, Japão e Coreia do Sul, através da ONU tem passado diversas sanções econômicas à RPDC, que minam sua capacidade de importar ou exportar até mesmo os bens mais fundamentais. É nítido que devido ao seu diminuto território e população, a RPDC não tem possibilidades materiais de ser autossuficiente em todos os bens necessários para seu desenvolvimento e sobrevivência. Assim os embargos (sanções) tem sido aumentados de forma criminosa (Segundo o telegraph, apenas neste mês já passam de duas rodadas novas de sanções).

A pressão ideológica contra a Coreia Popular é não menos importante e emblemática. A ofensiva imperialista além de combater seus inimigos por vias econômicas e militares, cria através de seus monopólios de mídias seus “monstros”, seus inimigos mortais, não atoa a RPDC é conhecida nos EUA, e referida por diversos veículos de informação como Rogue State (Estado Vilão). Os monopólios de mídia constroem diuturnamente a imagem de um país governado por um “adolescente louco”, um ditador sanguinário, colocando o Líder da Coreia Popular Kim Jong Um, no papel de um assassíno louco que obriga todos a se comportarem como robôs e seguirem seus comandos ensandecidos. O absurdo chega a tal ponto que as notícias (boa parte divulgadas sem fontes pela Coreia do Sul) frequentemente “matam” funcionários do Governo que teriam desobedecido Kim Jong Um, e na semana seguinte estes aparecem vivos em pronunciamentos, ao vivo na televisão estatal norte coreana.

Outros mitos são criados para reforçar a imagem de um país governado por uma criança louca, em um documentário bem humorado, jornalistas americanos apontam como uma notícia bizarra, de que Kim Jong Um obrigaria toda a população da RPDC a ter um corte de cabelo igual ao seu, tem uma credibilidade enorme nos EUA, a pesquisa mostrou que a maior parte parte dos Jovens estadunidenses acreditam nesta noticia, o que os levou a visitarem a Coreia Popular e filmar um documentário que mostra a diversidade cultural existente no Pais (The Haircut). Portanto nunca é demais lembrar a premissa marxista de que as ideias dominantes são em todas as épocas as ideias da classe dominante (Marx e Engels, 2007). O que nos explica como a ideologia dominante convence a massa da população de que a RPDC seria sim sua inimiga mortal. A construção do consenso nas sociedades capitalistas avançadas, implica na criação de inimigos externos, que devem não apenas ser subjugados economicamente, militarmente quanto ideologicamente, a fim de que sua sociedade mantenha sua coesão “nacional” frente à ameaças externas sempre onipresentes (como apontado por Marx e Engels, 2007 e Lenin, 2012).

Um Japão e uma Coreia do Sul não tão pacíficos assim, e um EUA não tão distante assim.

A pergunta que foi fio condutora neste debate e que motivou este artigo foi proferida por uma Professora de Direito Internacional em conferência com o Embaixador da RPDC. A pergunta (afirmativa) colocava que era um absurdo a RPDC ameaçar com o poder das armas, seus vizinhos que há décadas teriam comportamentos pacíficos, sua principal explanação fora sobre as leis “pacifistas” que impediriam o Japão de ter exércitos desde o final da segunda guerra mundial. Pois bem, vejamos na sequencia como se dá o potencial militar japonês.

Segundo um portal bem qualificado que avalia os potenciais bélicos pelo mundo (Global Fire Power) o Japão “pacífico” séria a sétima potência bélica mundial hoje em pleno 2017, novamente, não falamos de um Japão Fascista de 1935, mas sim do Japão de hoje. Contanto com um pessoal militar ativo de 250.000 pessoas. Segundo o mesmo observador o Brasil ocupa a 17ª posição, com um pessoal ativo de 334.500 pessoas, número superior ao do Japão, porém observando as diverenças demográficas, observamos que o Japão tem um pessoal militar ativo maior que o Brasil, e um potencial tecnológico incomparável. Ainda segundo este observador, a RPDC ocuparia apenas o 23° lugar. A isso somemos o fato de que o Japão é membro da OTAN, e tem sob sua “tutela” porta-aviões Norte Americanos da mais avançada tecnologia disponível, além de armamentos atômicos anexados aos mesmos navios. Portanto o mito de um Japão pacifista é muito frágil.

A legislação Japonesa que garantia a presença dos exércitos Japoneses apenas no território Japones fortemente modificada em 2015, tendo outras mudanças anteriores, porém em 2015 foi liberada à marinha Japonesa atuação para além das fronteiras nacionais (segundo fontes como BBC e Japan Times), o que provocou fortes protestos na China, Rússia e RPDC. (como apontado em noticias da Diplomat, Sputnik e diversas outras). Assim aumentaram as tenções no mar do sul da China, sobre ilhas disputadas, colocando tensões entre Japão e China, que fizeram exercícios militares como forma de intimidação mutua (segundo informações do Sputnik).

A definição do Japão como um estado pacifista, assim como a Coreia do Sul, como visto não passa de uma simples retórica imperialista, que pretende com estas afirmações reforçar um papel de ofensiva unilateral da Coreia Popular, colocando-a novamente no papel de vilã e de ameaçadora à paz mundial. A própria soberania de Japão e Coreia do Sul, como discutido aqui, é meramente um disfarce, onde na verdade existem dois Estados dominados, politica, economica, militar e ideologicamente pelo centro do Imperialismo mundial: Os Estados Unidos da America.

O papel dos EUA é chave em todo este conflito e não atoa este assume uma posição cada vez mais agressiva frente à Coreia Popular, o que exige desta também uma retórica mais ofensiva. Portanto as “ameaças” da RPDC aos EUA e seus consortes, não passam de proclamações de direito de sobrevida, e pequena mostra de poder, para dirimir as pretensões imperialistas de invasão e derrubada do governo de Pyongyang.

Rumos da Coreia Popular

Como revisado até aqui arguimos que a Coreia Popular busca apenas garantir o seu direito de sobrevivência, o direito de autodeterminação de sua população e para tal necessita de uma forte doutrina militar, frente às agressões que já duram mais de meio século. Segundo informações do Embaixador da Coreia Popular o objetivo da RPDC hoje é o de atingir um potencial bélico que a coloque em pés de igualdade com EUA e demais potencias imperialistas, as próprias relações diplomáticas com a China, foram fortemente modificadas após a independência militar alcançada pela RPDC, que possibilitou a esta uma melhor posição para dialogar e negociar com a China, que embora sua aliada, por vezes demonstra interesses conflitantes. Assim o principio da igualdade está colocado como objetivo para a RPDC.

Por fim é fácil entender que os princípios de Juche, que orientam o socialismo da RPDC, que colocam a classe trabalhadora, a soberania nacional e a autossuficiência, como pilares do seu movimento, estão postos a pleno vapor, a democracia sociaista da RPDC, orientada pelos princípios de Juche, se mantem viva, a despeito de todas ameaças e interferências externas. A RPDC segue firmemente na perspectiva socialista e internacionalista. Ademais é notório que um dos pilares ideológicos de Juche é a educação das massas para uma consciência revolucionária. Como em Cuba, o que mantem a perspectiva revolucionária viva é o povo, seu exército civil militar, que tem sim sua liderança, mas sendo esta de fato uma representação dos interesses da população, que a qualquer sinal de hesitação não pensaria duas vezes antes de derrubar qualquer perspectiva contrarrevolucionária.

Fechamos este artigo com uma última reflexão: Segundo informações trazidas pelo Embaixador Kim Chol Hak Na guerra na Coreia, em 1950 a população de Pyongyang era de 400.000 hab. e neste mesmo conflito foram lançadas aproximadamente 400.000 bombas norte-americanas em Pyongyang, (uma bomba per capita) fato que provavelmente não tem nenhum paralelo histórico, este por si só nos indica o seguinte: A população da RPDC se lembra de seu passado, e por se lembrar ela segue firme na construção de sua identidade nacional, sua luta pela soberania, pelo socialismo e contra as agressões imperialistas.

Postado por Leninster. 

Brasil, 2017


Referencias:

BBC:
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/06/140610_vovo_sexo_coreia_mv
http://www.bbc.com/news/world-asia-34101222

Daily Mail:
http://www.dailymail.co.uk/news/article-4788642/US-Japanese-troops-conduct-live-fire-military-drills.html

Diplomat:
http://thediplomat.com/tag/south-china-sea-disputes/

Global Fire Power:
https://www.globalfirepower.com/country-military-strength-detail.asp?country_id=brazil
https://www.globalfirepower.com/country-military-strength-detail.asp?country_id=north-korea
https://www.globalfirepower.com/country-military-strength-detail.asp?country_id=japan

Japan Times:
https://www.japantimes.co.jp/opinion/2016/03/29/editorials/security-legislation-takes-effect/#.WcEQFYxSzIU

KCNA Watch:
https://kcnawatch.co/

Lenin, Vladimir Ilitch. Imperialismo, Estágio Superior do Capitalismo. Expressão Popular, 2012

Makaveli Teorizando:
http://makaveliteorizando.blogspot.com.br/2017/04/a-coreia-do-norte-e-uma-ameaca-paz-no.html

Marx, Karl e Engels, Friedrich. A Ideologia Alemã. Boitempo, 2007

Partido Comunista Brasileiro (Portal):
https://pcb.org.br/portal2/15014

Reuters:
https://www.reuters.com/article/us-china-thaad-russia/china-russia-share-opposition-to-u-s-thaad-in-south-korea-xi-idUSKBN19O0N8

Sputniknews:
https://br.sputniknews.com/asia_oceania/201709069288564-coreia-sul-protesto-thaad-confronto/
https://sputniknews.com/military/201709181057498326-russia-china-drills-expert-analysis/

Telegraph:
http://www.telegraph.co.uk/news/2017/09/11/un-security-council-steps-sanctions-against-north-korea-nuclear/

The Guardian:
https://www.theguardian.com/world/2017/sep/03/did-north-korea-just-test-a-hydrogen-bomb

The Haircut (Documentário)
Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=2BO83Ig-E8E





domingo, 28 de maio de 2017

Ação Direta: Vandalismo ou Tática de Combate?


Ação Direta: Vandalismo ou Tática de Combate?

Por Leninster - Giovani Von Freund.


Marx e Engels demonstraram através de sua vasta obra que as disputas políticas se dão entre Classes Sociais, que possuem interesses inconciliáveis. Isso significa dizer que, de um lado estão postos os interesses da Classe Dominante que utilizará de todos os meios possíveis para mantê-los, e do outro lado estão postos os interesses da Classe Trabalhadora, que expropriada do poder político e econômico buscará novos meios de se contrapor aos interesses da Classe Dominante, e sua principal arma será sua organização, como explicitado por Lenin.

A Classe Dominante dispõe dos mais diversos mecanismos de dominação, começando pelo aparato estatal e suas ramificações, como as instituições, dentre elas a Polícia, que representa o braço armado do Estado e da Classe Dominante. Além desta dominação política existe ainda a dominação econômica, pelo controle dos meios de produção e a dominação ideológica, pelo controle das diversas mídias e do próprio sistema educacional. A partir desta interpretação Marx conclui em A Ideologia Alemã que As ideias dominantes de uma época são as ideias da Classe Dominante.

Essa breve introdução pretende esclarecer a natureza do conflito entre as Classes e a partir dela entraremos no nosso questionamento central deste artigo: Estando o Poder Político, Econômico e Ideológico em mãos da Classe Dominante, quais possibilidades de contraposição à essa hegemonia sobram à Classe Trabalhadora? Quais táticas podem ser implementadas? Como dissemos acima, Lénin já colocava que a organização é a real arma da Classe Trabalhadora, mas sendo mais específicos podemos forçar inicialmente uma divisão em duas modalidades nas estratégias de luta contra-hegemônica: A disputa ideológica e a disputa política. Destacamos ainda que há a disputa econômica, que se dá por dentro da ordem por parte dos trabalhadores pela redução da espoliação e pelo maior controle da produção.

A disputa ideológica se dará através da difusão das ideias do socialismo, ou seja, a difusão da ideologia da classe operária. Esta se utiliza de diversos meios, panfletos, jornais, mídias alternativas, e em tempos de acesso rápido à informação a própria internet se tornará importante polo difusor da ideologia operária. Para fins analíticos traçamos aqui uma divisão entre Disputa Ideológica e Disputa Política, divisão esta que na realidade inexiste, vez que o objetivo final é a subversão da ordem colocada, e a transformação da sociedade em uma sociedade comunista, passando pela transição socialista. O que chamaremos aqui de Disputa Política, será aquela disputa que se dá de forma mais aberta, as Greves, Manifestações de Rua, Barricadas dentre outras táticas conhecidas como Ação Direta.

Ação Direta

A Disputa Política nas ruas tem como objetivo radicalizar a luta de Classes, fortalecer a organização da Classe Trabalhadora e mais do que isso demonstrar força contra a Classe Dominante, colocando-a acuada e na defensiva, visto que a partir de uma compreensão dialética da Luta de Classes entendemos que não existe vácuo político, o Avanço da Classe Trabalhadora implica no recuo da Classe Dominante. Entretanto, essa disputa naturalmente não se dá sem conflitos, especialmente considerando como já discutido anteriormente, que a Classe Dominante dispõe dos mais amplos meios de dominação e Opressão. A Disputa Política entre as classes deflagra conflitos, onde a ordem Burguesa não hesita em utilizar todo o seu aparato Opressor, tanto seu Braço-armado (a Polícia) quanto seu aparato Ideológico, tentando colocar a Classe Trabalhadora contra ela própria, apontando aqueles que estão na arena de disputas como criminosos, vândalos, vagabundos, instigadores do caos social. 

Para a Classe Trabalhadora a Ação Direta se configura como uma de suas principais Armas para garantir os seus direitos existentes, além de tensionar para novos avanços, causando perdas econômicas e políticas para o Capital. Especialmente por sua grande capacidade de infligir danos ao Capital, a Ação Direta é a forma de luta mais abominada pela Classe Dominante e por este motivo é também a mais difamada e oprimida. Cabe a nós neste ponto explicitar melhor: Quais são as formas de Ação Direta e seus objetivos a curto e longo prazo? Quais os cuidados a se tomar com relação a este tipo de arma política?

A Greve é sem dúvida uma das principais formas de Ação Direta, a Greve além de paralisar temporariamente as forças produtivas, e causar danos econômicos ao Capital, serve como momento de promover a consciência de Classes, possibilitando debates políticos, aumento na organização dos trabalhadores e assim proporciona um grande avanço para a Classe Trabalhadora como um todo. É necessário apontar que as Greves enquanto instrumento de luta devem sempre ter um caráter politizante, que reforce a consciência de Classes, fugindo das pautas estritamente econômicas, como ganhos salariais e melhores condições de trabalho, que são também importantes, mas devem sempre estar unidos à avanços organizativos e de consciência política. A Greve Geral aparece como uma grande arma da Classe Trabalhadora, que a partir da união de suas diversas frações de Classe, mobiliza uma luta ampla e irrestrita contra a Classe Dominante, possibilitando enormes avanços qualitativos e quantitativos na organização da Classe Trabalhadora.

Outras formas de Ação Direta consistem no trancamento de vias públicas e estradas com Barricadas, que visam reforçar danos econômicos, além de chamar atenção da Classe Trabalhadora, agindo como um novo fator de conscientização. Outras formas importantes de Ação Direta são também empregadas e daremos um recorte individualizado a estas, por serem formas mais polêmicas e que são frequentemente alvo de difamação, além de opressão aberta das forças policiais, são essas os Enfrentamentos à repressão polícial nas manifestações, a depredação de instituições e patrimônio público e privado além das pixações.

A dialética da Luta de Classes implica que todas as formas e táticas de luta devem ser empregadas, tendo elas como fundo o avanço na consciência de classe e o avanço da organização da classe. Neste sentido em princípio as mais amplas Ações Diretas não só podem como devem ser empregadas. Entretanto, é sempre necessária uma análise conjuntural, uma análise das correlações de forças e dos resultados que determinados tipos de Ação Direta devem surtir em cada conjuntura. A repressão polícial em momentos de acirramento da Luta de Classes tende a se tornar cada vez maior, isso significa que em diversos momentos o confronto será inevitável, e por deves deverá ser encorajado, porém é importante reconhecer a limitação organizativa da Classe Trabalhadora para este tipo de enfrentamento neste momento histórico. O monopólio das técnicas e das Armas está nas mãos da polícia, e um cenário de fragmentação das forças armadas ainda se mostra distante. Ainda assim em determinadas manifestações o confronto pode se dar na perspectiva de garantir a continuação da Manifestação, além de proteger os manifestantes tensionando para um recuo das forças policiais. 

A depredação de Instituições e patrimônio público/privado seguem uma lógica de defesa e ataque. tendo em geral os objetivos de demonstração de força, danos econômicos ao Capital, choque visando a visibilidade das manifestações, além de criação de distrações que dificultem atuação das forças policiais em seu objetivo de reprimir os protestos. Entretanto essas formas de Ação Direta muitas vezes tendem à um acentuado espontaneísmo, que por vezes colocam em risco à segurança dos Manifestantes, além de ter uma atuação que pode desmobilizar a Classe Trabalhadora, especialmente por conta da pressão midiática na criminalização dessas práticas. Assim, consideramos que estas formas de Ação devem sempre caminhar em paralelo com processos de conscientização da Classe Trabalhadora, e devem sempre considerar a correlação de forças e a conjuntura política, fugindo do espontaneísmo que por vezes cede lugar à desmobilização e criminalização dos movimentos sociais. 

As pixações são uma forma de denuncia e disputa política iniciadas nos grandes centros urbanos e cumprem um importante papel tanto de disputa política, quanto de denuncia à invisibilização de amplos setores da Classe Trabalhadora, em especial as camadas mais proletarizadas, periféricas, como as mulheres e população negra no caso do Brasil. A pixação tem uma força de choque muito expressiva, e cria marcas no tecido urbano, fazendo emergir elementos que tentam a todo tempo ser apagados pela Classe Dominante. Assim sendo, se tornam um tipo de Ação Direta com alta capacidade de dialogar com a Classe Trabalhadora. 

Reconhecer a importância das Ações Diretas, sem romantiza-las, entendendo sua dialética é uma tarefa premente para os movimentos sociais. Em especial num cenário de ascenso da Luta de Classes, que necessita não só de reforço das estratégias de disputa ideológica da Classe Trabalhadora, mas também um olhar crítico sobre essas, evitando os riscos da desmobilização e criminalização dos Movimentos Sociais. Assim sendo, as Ações Diretas devem continuar caminhando junto com as outras formas de Disputa Política mais amplas, visando como objetivo final a derrubada da ordem Capitalista Burguesa, e a criação do Poder Popular numa nova ordem Socialista.

Disputas internas, Guerra econômica: A Fragmentação do bloco de poder nos EUA.

Disputas internas, Guerra econômica: A Fragmentação do bloco de poder nos EUA. Por Giovani Damico * Este artigo pretende ser parte...